Descubra os vinhos ideais para harmonizar com escargots e cassoulet, além dos estilos com aromas de alecrim e tomilho
por Euclides Penedo Borges
Cuidados no cultivo, redução do rendimento, restrições quanto ao uso de uvas menos nobres (como a Carignan) e recurso à tecnologia estão auxiliando os vinicultores do Sul da França a afastar a fama de produtores de vinhos comuns, e a emparelhar-se ao que há de melhor no mundo do vinho.
A viticultura local é bem antiga, iniciada pelos romanos há mais de vinte séculos, mas só agora passou a se destacar qualitativamente. A razão para isso é que essa região mediterrânea, um anfiteatro entre a Catalunha e a Provence, apresenta forte insolação, luminosidade intensa e terrenos inclinados com solos graníticos ou xistosos, convenientes para o cultivo da vitis vinifera.
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Os produtores locais sempre contaram com isso de forma despreocupada e a região tem elaborado enormes volumes há séculos. A drástica redução no consumo de vinho por habitante, nas últimas cinco décadas, assim como a concorrência dos vinhos do Novo Mundo, deu um basta nessa despreocupação.
A reviravolta qualitativa atinge agora trinta e poucos anos, e surgiu depois que diversas áreas adotaram a Denominação de Origem Controlada (Appelation d'Origine Controlée - AOC), como foi o caso de Faugères, em 1982, do Minervois, em 1985, e de Limoux, em 1993. A AOC mais antiga da região (Fitou, 1948), ainda não completou cinquenta anos.
O êxito foi completo e chegou rapidamente ao mercado. Em consequência podemos encontrar, hoje, nos catálogos das importadoras brasileiras, e a bons preços, nomes não muito conhecidos, como os citados acima, além de outros como Coteaux du Languedoc, Corbières, Saint Chinian, Limoux etc., num total de vinte denominações, cada uma com suas peculiaridades. Limitemo-nos, por enquanto, a quatro delas, de leste para oeste.
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Uma das maiores sub-regiões do Languedoc, abrangendo 97 comunas, a AOC Corbières apresenta-se com bom número de tintos de retrogosto apimentado, de Grenache e Syrah. A curiosidade são as uvas autóctones de nomes incomuns - Lladoner Pelut, Terret, Picpoul, Bourboulenc, Maccabeu - sempre usadas em cortes, cuja presença contrasta com a tendência atual de padronização.
Sob esse aspecto, Corbières lembra Portugal, guardião de uvas nativas. A maioria absoluta é de tintos, em geral violáceos e robustos. Uma indicação gourmande para os tintos de mais corpo é a "Galinha d'Angola Recheada com Molho de Nozes" ("Pintadeau Farci aux Noix"). Outra marca de Corbières é a utilização parcial da maceração carbônica ao estilo do Beaujolais, para tintos leves e frutados, indicados para embutidos e massas simples.
Os brasileiros podem contar com diversos rótulos de Corbières, tais como: "Domaine du Trillol" (World Wine), "Château de l'Horte" (Terroir), "Château La Bastide" (Decanter), "Domaine d'Aussières" (Mistral) e "Corbières Robert Skalli" (Expand).
Também na AOC interiorana do Minervois, nas proximidades de Carcassonne, podemos distinguir dois tipos de tintos. Os Minervois Rouge de guarda, amadurecidos em carvalho, encorpados, só revelando seu leque aromático após alguns anos, e com longevidade de dez anos.
Um tanto minerais, refletem os terrenos xistosos, ricos em manganês, da região. Os leves, de maceração carbônica, evoluem logo e contam com dois anos de guarda. Para esses, os escargots. Para os primeiros, um cassoulet. Citemos entre os Minervois disponíveis no Brasil: "Minervois Notus Syrah" (World Wine), "Minervois Circus" (Terroir), "Minervois Hecht & Bannier" (Vinci) e o "Chateau de Cabezac" (Expand).
Menos citada do que as anteriores, a pequena AOC Saint Chinian, no centro do Languedoc, conta com as mesmas castas tradicionais do Sul da França (Syrah, Grenache, Mourvèdre). Delas elaboram-se, além de numerosos rosados, vinhos tintos taninosos, que agradecem certo tempo de garrafa para se enternecerem.
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Em geral, suportam uma guarda de oito anos. Os de maceração carbônica, leves e frutados, não mais do que dois anos. Uma sugestão francesa para os tintos de Saint Chinian é o cozido de javali novinho ("Civet de Marcassin"). Encontramos no Brasil alguns vinhos de Saint Chinian, de adequada relação custo-benefício, tais como o "Moulin de Ciffre" (Club du Taste-Vin) e o "Renaud de Valon" (Decanter). A importadora Vinci, recentemente criada, oferece um "Saint Chinian Domaine Hecht & Bannier".
As afamadas encostas do Languedoc, quase chegando à Provence, a leste, constituem uma extensa área de vinhos tintos. A curiosidade fica por conta das várzeas graníticas chamadas garrigues, recendendo a ervas aromáticas devido à exploração do alecrim e do tomilho.
Assim sendo, não é de se estranhar que seus tintos calorosos, de Cinsault e Grenache, apresentem o odor peculiar que os franceses chamam de arome de garrigue. "Carne de Coelho Guisada no Vinho" ("Lapin en Gibelote"), tem, nos tintos dos Coteaux du Languedoc, companhia de primeira.
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Encontram-se, no Brasil, numerosos vinhos dessa AOC, entre os quais: o "Coteaux du Languedoc Domaine des Aurelles" (Terroir), o "Domaine Galtier" (Club du Taste-Vin), o "Les Sabines Mas de la Barben" (Mistral), o "Chateau de Lascaux" (Expand) e o "Domaine Sneyd Anderson" (ambos da World Wine).
Confira na próxima edição as curiosidades em torno dos tintos secos de Faugères, Cabardès e Collioure, dos espumantes de Limoux, dos moscatéis de Rivesaltes e dos vinhos doces naturais de Maury e Banyuls, vencedores do chocolate, todos do Sul da França.